A Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) é uma anemia hemolítica crônica adquirida rara, de curso clínico extremamente variável. Apresenta-se frequentemente com infecções recorrentes, neutropenia e trombocitopenia, e surge em associação com outras doenças hematológicas, especialmente com síndromes de falência medular, como anemia aplásica e síndrome mielodisplásica. É considerada ainda um tipo de trombofilia adquirida, apresentando-se com tromboses venosas variadas, com especial predileção por trombose de veias hepáticas e intra-abdominais, sua maior causa de mortalidade.
A tríade Anemia Hemolítica, Pancitopenia e Trombose faz da HPN uma síndrome clínica única, que deixou de ser encarada como simples anemia hemolítica adquirida para ser considerada um defeito mutacional clonal da célula-tronco hematopoética (CTH). A mutação ocorre no gene da fosfaditilinositolglicana classe-A, e resulta no bloqueio precoce da síntese de âncoras de glicosilfosfaditilinositol (GPI), responsáveis por manter aderidas à membrana plasmática dezenas de proteínas com funções específicas. A falência em sintetizar GPI madura gera redução de todas as proteínas de superfície normalmente ancoradas por ela. Dentre elas estão o CD55 e o CD59, que controlam a ativação da cascata do complemento. Assim, na HPN há aumento da susceptibilidade de eritrócitos ao complemento, gerando hemólise. Revisa-se aqui sua fisiopatologia, curso clínico, os tratamentos disponíveis com ênfase para o transplante de células-tronco hematopoéticas alogênicas e para o eculizumab, um anticorpo monoclonal humanizado que bloqueia a ativação do complemento terminal no nível C5 e previne a formação do complexo de ataque à membrana, a primeira droga a demonstrar eficácia no tratamento da HPN.
Fisiopatologia
No final do século XIX, Gull depois Strübing descreveram o caso de pacientes que apresentavam uma hemoglobinúria intermitente acompanhada de hemólise intravascular. Marchiafava e Nazani em 1911, depois Michelli em 1931, estabeleceram o quadro clínico clássico da doença.
A Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), ou Doença de Marchiafava & Michelli, é hoje em dia considerada como uma doença da célula-tronco hematopoiética. Desde o início dos anos 80 com o progresso da citometria de fluxo depois, mais recentemente, da biologia molecular conduziram a um avanço do conhecimento da fisiopatologia desta doença rara.
Das primeiras descrições da doença, até o início do século, a sensibilidade anormal dos glóbulos vermelhos (ou hemácias) e a ação lítica do complemento (proteínas do sistema imunitário) foram considerados como as características principais da doença.
No início dos anos 80, vários pesquisadores demonstraram que 2 proteínas inibem a ação do complemento, não estando expressas a superfície dos glóbulos vermelhos dos pacientes com HPN. Estas 2 moléculas são a DAF (decay accelerating factor) ou CD55 e a MIRL (membrane inhibitor of reactive lysis) ou CD59.
Em seguida aos trabalhos que mostraram a deficiência da expressão do CD55 e do CD59, outras deficiências moleculares foram identificadas em pacientes com HPN. Todas estas moléculas tem um elemento estrutural comum : eles são ligados à membrana por uma Glicosil Fosfatidil Inositol (GPI).
Mesmo que as proteínas sejam expressas fisiologicamente à membrana das células sanguíneas, são normalmente sintetizadas, eles não são expressas na HPN pelo defeito da síntese do sistema de ligação à GPI.
Recentemente, uma etapa fundamental na compreensão da doença foi descoberta graças ao grupo do Dr. Kinoshita que demonstrou que a HPN estava ligada a anomalias de um gêne chamado PIG-A. O gêne PIG-A fica situado no cromossomo X.
Estas descobertas fundamentais abriram uma série de estudos moleculares da HPN. Várias equipes demonstraram que as alterações moleculares do gêne PIG-A estão presentes entre todos os pacientes de HPN.
1. Parker C, Omine M, Richards S, Nishimura J, Bessler M, Ware R, et al.
Diagnosis and management of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood.
2005;106(12):3699-709.
2. Mathieu D, Rahmouni A, Villeneuve P, Anglade MC, Rochant H, Vasile N. Impact
of magnetic resonance imaging on the diagnosis of abdominal complications
of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 1995;85(11):3283-8.
3. Ware RE, Hall SE, Rosse WF. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria with onset
in childhood and adolescence. N Engl J Med. 1991;325(14):991-6.
4. Besa EC. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria, in eMedicine. 2007, WebMD.
5. Crosby WH. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria; a classic description
by Paul Strubling in 1882, and a bibliography of the disease. Blood.
1951;6(3)270-84.
6. Parker CJ. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: an historical overview.
Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2008;2008:93-103.
7. Crosby WH. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: relation of the clinical manifestations
to underlying pathogenic mechanisms. Blood. 1953;8(9)769-812.
8. Ham TH, Dingle JH. Studies on destruction of red blood cells. Ii. chronic
hemolytic anemia with paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: certain immunological
aspects of the hemolytic mechanism with special reference to serum
complement. J Clin Invest. 1939;18(6)657-72.
9. Socie G, et al. Paroxysmal nocturnal haemoglobinuria: long-term followup
and prognostic factors. French Society of Haematology. Lancet.
1996;348(9027)573-7.
10. Hillmen P, Young NS, Schubert J, Brodsky RA, Socié G, Muus P, et al. The
complement inhibitor eculizumab in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria.
N Engl J Med. 2006;355(12):1233-43.
11. Bessler M, Hiken J. The pathophysiology of disease in patients with paroxysmal
nocturnal hemoglobinuria. Hematology Am Soc Hematol Educ Program.
2008;2008:104-10.
12. Brodsky RA. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: stem cells and clonality.
Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2008;2008:111-5.
13. Brodsky RA. Advances in the diagnosis and therapy of paroxysmal nocturnal
hemoglobinuria. Blood Rev. 2008;22(2):65-74.
14. Sugarman J, Devine DV, Rosse WF, Structural and functional differences
between decay-accelerating factor and red cell acetylcholinesterase. Blood.
1986;68(3):680-4.
15. Shichishima T, Terasawa T, Hashimoto C, Ohto H, Uchida T, Maruyama Y.
Heterogenous expression of decay accelerating factor and CD59/membrane
attack complex inhibition factor on paroxysmal nocturnal haemoglobinuria
(PNH) erythrocytes. Br J Haematol. 1991;78(4):545-50.
16. Smith LJ. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Clin Lab Sci. 2004;17(3):172-7.
17. Walport MJ. Complement. First of two parts. N Engl J Med.
2001;344(14):1058-66.
18. Dacie J. Paroxysmal nocturnal haemoglobinuria> In: The haemolytic anaemias:
congenital and acquired. London: J & A Churchill Ltd; 1967. p.1128-260.
19. Rother RP, Bell L, Hillmen P, Gladwin MT. The clinical sequelae of intravascular
hemolysis and extracellular plasma hemoglobin: a novel mechanism of human
disease. JAMA. 2005;293(13):1653-62.
20. Hillmen P, Muus P, Dührsen U, Risitano AM, Schubert J, Luzzatto L, et al. Effect
of the complement inhibitor eculizumab on thromboembolism in patients with
paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 2007;110(12):4123-8.
21. Meletis J, Terpos E. Recent insights into the pathophysiology of paroxysmal
nocturnal hemoglobinuria. Med Sci Monit. 2003;9(7):RA161-72.
22. Rosse WF. Pathogenesis of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: missing
cell proteins. UpToDate 16.2 [CD] 2008 02/15/2008. [cited 2008 aug 18].
Available from: http://www.uptodate.com/home/index.html.
23. Parker CJ. Bone marrow failure syndromes: paroxysmal nocturnal hemoglobinuria.
Hematol Oncol Clin North Am. 2009;23(2):333-46.
24. Young NS, Scheinberg P, Calado RT. Aplastic anemia. Curr Opin Hematol.
2008;15(3):162-8.
25. De Latour, RP, Mary JY, Salanoubat C, Terriou L, Etienne G, Mohty M, et al.
Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: natural history of disease subcategories.
Blood. 2008;112(8):3099-106.
26. Wang H, Chuhjo T, Yasue S, Omine M, Nakao S. Clinical significance of a
minor population of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria-type cells in bone
marrow failure syndrome. Blood. 2002;100(12):3897-902.
27. Hartmann RC, Jenkins DE. The “sugar-water” test for paroxysmal nocturnal
hemoglobinuria. N Engl J Med. 1966;275(3):155-7.
28. Brodsky RA. How I treat paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood.
2009;113(26):6522-7.
29. Rosse, WF, Dacie JD. Immune lysis of normal human and paroxysmal nocturnal
hemoglobinuria (PNH) red blood cells. I. The sensitivity of PNH red cells to
lysis by complement and specific antibody. J Clin Invest. 1966;45(5):736-48.
30. Hall SE, Rosse WF. The use of monoclonal antibodies and flow cytometry
in the diagnosis of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood.
1996;87(12):5332-40.
31. Brubaker LH, Essig LJ, Mengel CE. Neutrophil life span in paroxysmal nocturnal
hemoglobinuria. Blood. 1977;50(4):657-62.
32. Nishimura J, Kanakura Y, Ware RE, Shichishima T, Nakakuma H, Ninomiya
H, et al. Clinical course and flow cytometric analysis of paroxysmal nocturnal
hemoglobinuria in the United States and Japan. Medicine (Baltimore).
2004;83(3):193-207.
33. Hall C, Richards S, Hillmen P. Primary prophylaxis with warfarin prevents
thrombosis in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria (PNH). Blood.
2003;102(10):3587-91.
34. Brodsky RA, Young NS, Antonioli E, Risitano AM, Schrezenmeier H, Schubert
J, et al. Multicenter phase 3 study of the complement inhibitor eculizumab for
the treatment of patients with paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood.
2008;111(4):1840-7.
35. Rosse W. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. In: Hoffman R, Shattil SJ,
editors. Hematology: basic principals and practice.New York: Churchill Livingstone:
New York; 2000. p.331-42.
36. Kumpers P, Herrmann A, Lotz J, Mengel M, Schwarz A. A blue kidney--chronic
renal failure as a consequence of siderosis in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria?
Clin Nephrol. 2006;66(3):210-3.
37. Hill A, Hillmen P, Richards SJ, Elebute D, Marsh JC, Chan J, et al. Sustained
response and long-term safety of eculizumab in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria.
Blood. 2005;106(7):2559-65.
38. Franco De Carvalho R, Arruda VR, Saad ST, Costa FF. Detection of somatic
mutations of the PIG-A gene in Brazilian patients with paroxysmal nocturnal
hemoglobinuria. Braz J Med Biol Res. 2001;34(6):763-6.
39. Bidoia BG. Estudo molecular do gene PIG-A na hemoglobinúria paroxística
noturna [tese]. São Paulo: Escola Paulista, Universidade Federal de São Paulo;
1999.
40. Kinoshita T, Inoue N, Takeda J. Role of phosphatidylinositol-linked proteins
in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria pathogenesis. Annu Rev Med.
1996;47:1-10.
41. Pramoonjago P, Wanachiwanawin W, Chinprasertsak S, Pattanapanayasat
K, Takeda J, Kinoshita T. Somatic mutations of PIG-A in Thai patients with
paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 1995;86(5):1736-9.
42. Yamada N, Miyata T, Maeda K, Kitani T, Takeda J, Kinoshita T. Somatic mutations
of the PIG-A gene found in Japanese patients with paroxysmal nocturnal
hemoglobinuria. Blood. 1995; 85(4):885-92.
43. Araten DJ, Thaler HT, Luzzatto L. High incidence of thrombosis in AfricanAmerican
and Latin-American patients with paroxysmal nocturnal haemoglobinuria.
Thromb Haemost. 2005;93(1):88-91.
44. Moyo VM, Mukhina GL, Garrett ES, Brodsky RA. Natural history of paroxysmal
nocturnal haemoglobinuria using modern diagnostic assays. Br J Haematol.
2004;126(1):133-8.
45. Dacie JV, Lewis SM. Paroxysmal nocturnal haemoglobinuria: variation in
clinical severity and association with bone-marrow hypoplasia. Br J Haematol.
1961;7:442-57.
46. Lewis SM, Dacie JV. The aplastic anaemia--paroxysmal nocturnal haemoglobinuria
syndrome. Br J Haematol. 1967;13(2):236-51.
47. Fujioka S, Asai T, Prognostic features of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria
in Japan. Nippon Ketsueki Gakkai Zasshi. 1989;52(8):1386-94.
48. Wang SA, Pozdnyakova O, Jorgensen JL, Medeiros LJ, Stachurski D,
Anderson M, et al. Detection of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria
clones in patients with myelodysplastic syndromes and related bone marrow
diseases, with emphasis on diagnostic pitfalls and caveats. Haematologica.
2009;94(1):29-37.
49. Hillmen P, Lewis SM, Bessler M, Luzzatto L, Dacie JV. Natural history of paroxysmal
nocturnal hemoglobinuria. N Engl J Med. 1995;333(19):1253-8.
50. Dacie JL. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: clinical manifestation, haematology,
and nature of the disease. Series Haematol. 1972;3:3-23.
51. Hartmann RC, Jenkins DE Jr, McKee LC, Heyssel RM. Paroxysmal nocturnal
hemoglobinuria: clinical and laboratory studies relating to iron metabolism and
therapy with androgen and iron. Medicine (Baltimore). 1966;45(5):331-63.
52. Rosse WF. Treatment of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood.
1982;60(1):20-3.
53. Saso R, Marsh J, Cevreska L, Szer J, Gale RP, Rowlings PA, Passweg JR, et
al. Bone marrow transplants for paroxysmal nocturnal haemoglobinuria. Br J
Haematol. 1999;104(2):392-6.
54. De Latour RP, Schrezenmeier H, Mary JY, Baugalupo A, De Souza C, Willemze
R, et al. Stem Cell Transplantation for Paroxysmal Nocturnal Hemoglobinuria:
An on Going Joint Study of the AAWP EBMT Group and the French Society of
Hematology. ASH Annual Meeting Abstracts. Blood. 2008;112(11):3442.
55. Raiola AM, Van Lint MT, Lamparelli T, Gualandi F, Benvenuto F, Figari O, et
al. Bone marrow transplantation for paroxysmal nocturnal hemoglobinuria.
Haematologica. 2000;85(1):59-62.
56. Hegenbart U, Niederwieser D, Forman S, Holler E, Leiblein S, Johnston
L, et al. Hematopoietic cell transplantation from related and unrelated
donors after minimal conditioning as a curative treatment modality for
severe paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Biol Blood Marrow Transplant.
2003;9(11):689-97.
57. Woodard P, Wang W, Pitts N, Benaim E, Horwitz E, Cunningham J, et al.
Successful unrelated donor bone marrow transplantation for paroxysmal
nocturnal hemoglobinuria. Bone Marrow Transplant. 2001;27(6):589-92.
58. Endo M, Beatty PG, Vreeke TM, Wittwer CT, Singh SP, Parker CJ. Syngeneic
bone marrow transplantation without conditioning in a patient with paroxysmal
nocturnal hemoglobinuria: in vivo evidence that the mutant stem cells have a
survival advantage. Blood. 1996;88(2):742-50.
59. Kaplan M. Eculizumab (Alexion). Curr Opin Investig Drugs. 2002;3(7):1017-23.
60. Hillmen P, Hall C, Marsh JC, Elebute M, Bombara MP, Petro BE, et al., Effect
of eculizumab on hemolysis and transfusion requirements in patients with
paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. N Engl J Med. 2004;350(6):552-9.
61. Rother RP, Rollins SA, Mojcik CF, Brodsky RA, Bell L. Discovery and development
of the complement inhibitor eculizumab for the treatment of paroxysmal
nocturnal hemoglobinuria. Nat Biotechnol. 2007;25(11):1256-64.
Fotos no Google
Deixe seus comentários, compartilhe este artigo!⬛◼◾▪ Social Media ▪◾◼⬛⬛◼◾▪ Blogs ▪◾◼⬛• SFE® • SFE Tech® • SFE Terms® • SFE Books® • SFE Biography®
⬛◼◾▪ CONTATO ▪◾◼⬛
Nenhum comentário:
Postar um comentário